Acossados pelo aumento exponencial no custo das matérias-primas em todo o mundo e pelo aumento da demanda de serviços e pelas negociações cada vez mais duras com os clientes, os fabricantes de fragrâncias enfrentam um cenário desafiador e sem previsão de melhorias nos próximos anos.
De todos os setores fornecedores da indústria da beleza, nenhum goza de tanto prestígio e acesso junto à direção de empresas de todos os portes quanto as casas de fragrâncias. E não é para menos. A fragrância é o primeiro ou o segundo driver de compra para a maior parte das categorias de higiene pessoal e perfumaria, incluindo aí mercados-chave como os de shampoos, desodorantes e itens para banho. Sem falar, obviamente, na própria perfumaria e nas inúmeras categorias de limpeza doméstica.
Há décadas, as casas investem pesado em pesquisa para entender como as fragrâncias impactam os consumidores no seu relacionamento com os produtos e as marcas. Mais recentemente, essas pesquisas passaram a envolver cada vez mais áreas, indo muito além apenas dos testes olfativos, ao mesmo tempo em que as próprias casas de fragrâncias foram assumindo funções antes exclusivas dos clientes. "Hoje, as casas de fragrâncias acabam funcionando como uma extensão do departamento de Marketing e Gerenciamento de Produtos das empresas. Temos que desenvolver e testar conceitos, posicionamentos, targets, fazer análise da concorrência e até ajudar a desenvolver a embalagem e a campanha. No final das contas, a criação perfumística, que deveria ser a essência do nosso trabalho, acaba ficando em segundo plano", desabafa uma executiva do mercado de fragrâncias, sob condição de anonimato.
Esse aumento na demanda por serviços dos clientes junto aos fabricantes de fragrâncias se reflete por todas as faixas do mercado. Parte da justificativa para esse fenômeno reside no fato de as equipes de marketing das empresas de cosméticos não terem crescido na mesma proporção que o trabalho. Mesmo com mais serviço, elas estão do mesmo tamanho ou, em muitos casos, menores e também muito mais jovens do que eram há alguns anos. Com esse cenário, a "terceirização" de parte da área de marketing - situação que, na verdade, foi gerada pelas próprias casas de fragrâncias no passado, em especial com os grandes clientes - acabou sendo uma solução natural para essas empresas. A mesma situação se repete em empresas de menor porte, que não têm áreas estruturadas e, muitas vezes, o recurso necessário para ter acesso a pesquisas e informações, que também se valem cada vez mais dos "recursos" oferecidos pelas casas de fragrâncias.
Em que pese o incrível aumento da demanda por serviços nos últimos anos, bem como seus custos - tanto financeiros quanto de tempo e disposição de pessoal -, esse é um investimento que as casas conseguiram até certo ponto compensar com o próprio crescimento dos negócios nos clientes.
Pressão inflacionária
No entanto, os problemas com os quais casas de fragrância de todos os portes e de todos os locais do planeta estão lidando agora são muito mais complicados. A inflação exponencial sobre os custos das matérias-primas está assustando até executivos mais experimentados do setor. "Nunca vimos uma onda de inflação como está", afirma Armand de Villoutreys, presidente mundial de Fragrâncias da Firmenich, há 12 anos no mercado de perfumaria (NE: Veja mais na entrevista exclusiva com o executivo nesta edição). Ricardo Omori, diretor da Symrise Scent & Care no Brasil ecoa a reclamação. "Estou há 16 anos no mercado e nunca vi nada igual. O impacto sobre os preços, em especial neste ano, tem sido impressionante".
Não é de hoje que o mercado de fragrâncias tem que lidar com a incidência da inflação nas matérias-primas. Na verdade, desde 2008 a indústria de fragrâncias vem sofrendo com variações nos preços, boa parte delas influenciada diretamente pelo preço do barril de petróleo, recurso que ainda dá origem a maior parte das matérias-primas utilizadas pelo setor. Nesse período, diversas fabricantes anunciaram aumentos nos preços dos produtos comercializados.
O problema é que a onda de inflação atual é sem precedentes na história. O motivo é uma conjunção de fatores. Primeiro existe um choque de oferta e demanda, que acabou alterando as posições. Com a adição de centenas de milhões de pessoas ao mercado de consumo, puxada pelos mercados emergentes, o consumo de petróleo e seus derivados em setores tão diversos como combustíveis, plásticos e no complexo químico em geral nunca foi tão alto. São segmentos maiores, que movimentam muito mais recursos e volumes do que o segmento de fragrâncias, baseado em especialidades, e cujas estimativas respondem por menos de 2% do consumo de petroquímicos. Com a oferta reduzida, as gigantes petroquímicas acabam direcionando investimentos e a maior parte da produção nesses segmentos mais "poderosos".
Complementarmente, a crise financeira de 2008 também desempenhou um papel fundamental para o quadro desembocasse no estágio atual. Com os países desenvolvidos em colapso, os investimentos cessaram. Muitas plantas industriais dedicadas à fabricação de commodities para o setor foram fechadas. Naturalmente, planos de expansão ou abertura de novas plantas também foram congelados. "Notadamente na Europa, os investimentos pararam também por motivos da legislação extremamente restritiva a essa atividade", lembra Harry Rentel, presidente da Citratus, uma das maiores casas de fragrância de capital nacional.
Quando os consumidores voltaram...
O que "pega" nessa conjuntura é que durante esse período de vacas magras no mundo "rico", os mercados emergentes continuaram consumindo. E muito. Ou seja, a queda nos mercados desenvolvidos foi parcialmente compensada pelo incremento em mercados como China, Índia e, na América Latina, no Brasil. Depois de uma breve pausa, norte-americanos, europeus e japoneses também voltaram a consumir, sendo que boa parte deles já retornaram aos níveis de consumo do pré-crise.
Some-se a isso os recentes desastres naturais e os problemas climáticos que afetaram nos últimos tempos importantes regiões produtoras como Japão, Índia e China, responsáveis pelo fornecimento de insumos importantes como resina de pinho e óleo de laranja. Resultado: está faltando produto para atender a todos.
A indústria acendeu o sinal vermelho e já se desdobra em investimentos direcionados a ampliações e construções de novas plantas de matérias-primas. A Symrise, por exemplo, dobrou a capacidade instalada de uma de suas plantas na Alemanha dedicada a produção de mentol, a fim de atender a demanda não só dela, como também das outras casas do mercado. O problema é que, dada a complexidade, dificilmente essas operações estarão em atividade em menos de três anos.
Mudança de patamar
Mesmo com o equilíbrio entre oferta e demanda restabelecidos, o que vai demorar esse período de três anos, há quem acredite que a situação atual não é fruto de sazonalidade ou de eventos específicos. "Não é uma bolha. O que estamos enxergando é uma mudança de patamar no custo das matérias-primas, em especial das commodities", diz Ricardo, da Symrise. Um bom exemplo dessa nova realidade é o Dipropilenoglicol (DPG). Uma das substâncias mais utilizadas pelo mercado de fragrâncias, que podem superar fácil os 50% em algumas fórmulas, simplesmente dobrou de preço entre 2008 e 2010. Mesmo que o nível da oferta retorne aos seus patamares históricos, os preços dessas matérias-primas não devem seguir o mesmo caminho, mantendo-se, no mínimo, no atual patamar. "Talvez isso possa acontecer com algumas matérias-primas de especialidades que sofrem mais com sazonalidades. Mas, nas commodities, teremos que nos adequar a essa nova realidade", diz o executivo da Symrise.
Frente a esse cenário, todas as casas de fragrância do mundo, sem exceção, estão anunciando o repasse do aumento nos custos das matérias-primas aos seus clientes. A suíça Givaudan, maior fabricante de aromas e fragrâncias do mundo, já conseguiu recompor parte do impacto no balanço do primeiro trimestre, graças às renegociações de preços, e espera concluir o processo até o final do primeiro semestre deste ano. A Symrise declarou no seu balanço de 2010, que está acompanhando de perto a pressão de custos e vem negociando aumento com os seus clientes também. "Neste momento é impossível não repassar os aumentos das matérias-primas aos nossos clientes", pontua Armand de Villoutreys, da Firmenich.
Problemas locais
Além das dificuldades globais, a indústria brasileira de fragrâncias também tem que lidar com mazelas locais. A infraestrutura deficiente, o excesso de burocracia e a alta carga tributária levaram os fabricantes de matérias-primas para fragrâncias a se retirar do Brasil. "Não fabricamos localmente nenhuma molécula significativa no processo de produção de fragrâncias", lamenta Harry Rentel, da Citratus. Para o empresário, como fruto desse processo de desnacionalização, o Brasil passou a importar, junto com as matérias-primas, a inflação dos outros países, por via do aumento de salários, juros, taxas, inflação dos alimentos e o do preço do petróleo. Isso, sem falar na queda da cotação do dólar, seguida por uma evolução desproporcional nos preços praticados pelos fabricantes de matérias-primas, inflando ainda mais os custos das substâncias importadas.
Os mesmos motivos que levaram as indústrias que atendiam ao mercado de fragrâncias a deixarem o Brasil parecem tirar o País, em definitivo, do jogo do fornecimento global de commodities, um setor cada vez mais dominado por China e Índia. Apesar disso, por questões de logística, para atender à forte demanda interna, o Brasil pode ganhar força na produção das especialidades. A própria Symrise mantém a sua planta global de Cítricos, uma das famílias de matérias-primas mais importantes para a perfumaria, em Sorocaba, no interior de São Paulo.
Custo x benefício
Mesmo que os atuais aumentos praticados pelas casas de fragrância estejam em níveis bem mais elevados do que os dos últimos anos – em função, essencialmente, dos problemas relatados nesta reportagem -, a importância da fragrância como indutor de compra não deve ser ignorada. Os valores destinados a aquisições de fragrâncias pelas empresas de higiene, perfumaria e cosméticos são relativamente baixos face ao faturamento total. Principalmente porque o peso das fragrâncias no mix de custo dos produtos é relativamente baixo. Mesmo nos perfumes, nos quais a fragrância é a estrela principal (ou ao menos deveria ser), seu peso no custo total é muitas vezes inferior àqueles da embalagem do perfume, por exemplo. Sendo assim, o impacto financeiro, deverá ser rapidamente absorvido pela indústria de beleza, que assim irá continuar perfumando mulheres e homens de todo o Brasil
Fonte: Cosmética News.
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