Domingo, dia de ler os jornais calmamente, sob o sol da manhã e no jardim repleto de plantas aromáticas. Tudo de bom! E neste domingo deparo com uma crônica deliciosa, escrita pela jornalista do Estadão, Monique Mariana Abrantes, para o Jornal da Tarde, falando sobre uma experiência que a remeteu aos dias de infância e sentimentos há muito, talvez, esquecidos. Gentilmente ela nos cedeu o texto que publicamos.
Acho incrível a capacidade que temos de memória. Todas elas. Mas as que mais gosto são as memórias sensoriais, que nos levam de volta a diversos momentos, sejam bons ou ruins. São imagens, sons, toques e cheiros que despertam lembranças que vivemos há anos e que, por muito pouco, se não fosse o fator tempo, nos jogariam de volta àquele momento.
Um dia desses, um colega de redação trouxe um pão caseiro feito por sua mãe. Bem simpático, ele disparou um e-mail a todos da editoria informando a chegada da delícia em meio à linha de produção do jornal do dia. Era um pão de mandioquinha e, apesar do dia frio de outono, ele ainda estava quentinho. Para acompanhar, peguei um café. Na primeira mordida que dei na fatia de pão, fui arremessada aos meados dos meus 7 ou 8 anos. Nessa época, eu ficava com a empregada, pois meus pais sempre trabalharam.
A imagem que guardo dela é a de uma senhora muito meiga, que cumpria o papel de avó, já que as minhas sempre foram um pouco distantes. Dona Anita, era esse o seu nome. Lembro das coisinhas gostosas que ela fazia para o café da tarde, entre elas uns pães caseiros. O gosto do fermento biológico era bem marcante. Mais do que isso, lembro ainda dela gritando no quintal me chamando para comer enquanto as minhas brincadeiras na garagem não terminavam nunca.
A memória que tenho desses dias, coincidentemente, foi a do mesmo dia em que o colega de redação trouxe o pão: dias frios, mas que eram aquecidos por um mimo de alguém atencioso. Das muitas lembranças que tenho da minha infância, a maioria delas é de situações que aconteceram em dias cinzas de outono ou inverno. Talvez pela falta que eu sentia dos meus pais. As lembranças ilustradas em dias de sol contam com a presença deles.
Foi incrível como o degustar daquele pedacinho de pão, que deve ter durado apenas alguns segundos, foi capaz de trazer memórias eternas e bem mais longas do que aquele momento.
Da mesma forma que o cheiro do fermento do pão me faz lembrar a infância, o folhear de um livro novo também faz com que eu me sinta uma garotinha novamente. Lembro de quando as aulas voltavam e eu tinha novos livros para o ano letivo. Enquanto meus pais arrancavam os cabelos para dar conta de uma lista sem fim de materiais e livros, eu me divertia com o “passeio” na papelaria. Dessa fase estudantil, o cheiro que mais me remete a ela é o da caixa de lápis de cor e de giz de cera.
Quando eu estava com uma delas nas mãos, a primeira coisa que eu fazia era cheirá-las. Só depois de quase ter “anestesiado” as minhas células olfativas após elas já terem se acostumado com aquele aroma é que eu começava a desenhar. E o mais engraçado é que essa mesma sensação é compartilhada por tantas outras pessoas, como pude comprovar durante uma retrospectiva da infância que eu e alguns amigos fazemos de vez em quando.
Todo mundo tem uma memória olfativa dessa época. Das minhas, acho que a mais curiosas é a do “cheiro” de formiga. Sempre fui muito mal compreendida em relação a esse odor. Depois de grande, todo mundo me olhava com estranheza quando eu tentava explicar, sem sucesso, que sentia esse cheiro quando estava perto de um formigueiro que havia no quintal de casa. Já adulta, arrisquei falar dessa lembrança com uma amiga bióloga. Foi aí que veio a explicação e a comprovação de que não se tratava de imaginação de criança: as formigas possuem uma defesa chamada de ácido fórmico. Daí que vem o cheiro.
Seja lá qual for, todo mundo tem uma memória sensorial latente dentro de si. Basta um estímulo que remeta a elas para que despertem. E as da infância são as mais gostosas. Sem dúvida alguma.
Autor: Monique Mariana Abrantes, jornalista.
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